Pedaços de mim

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Quero as noites de finais de semana para mim.

Vivo a vida de trás par frente. Adolescente, queria ler e desvendar meu próprio mundo. Não tive crise dos 30.  Mas agora, preciso entender tudo do mundo, fazer check-in nas redes sociais e ser a atração principal da balada.

Como, se eu nem frequento uma?

O mundo é rápido e múltiplo. Eu gosto de me dedicar a uma única coisa de cada vez e explorar todas as suas possibilidades, usando este conhecimento para as próximas experiências.

Não sei onde encontrar as músicas atuais e estes artistas, contudo, não suporto mais o meu vasto, porém, decorado, grupo de álbuns e cantores de novas músicas – mas sempre os mesmos. Ainda que mais maduros.

Quero fazer tudo o que falta em uma lista logicamente elaborada para me libertar do trabalho acumulado, contudo, passo o feriado apenas extravasando as angústias do meu coração confuso, da minha mente estressada. 

Faço tudo diferente, de certa forma, e nada muda. Todavia, ainda me sinto estagnada, sabendo que preciso dar um passo muito maior para que o novo venha.

Nunca acreditei no rótulo do homem insensível, infiel e padronizado e, no entanto, fui punida por ter sido tão “ingênua”. Não (apenas) pelo mundo, mas sim por Deus  e pelo que ele desejou – ou não impediu que não acontecesse.

Pelo mesmo Deus que transcende os efêmeros valores humanos (vide culturas, pensamentos e hábitos dignos de risada advindos de povos antigos), tais quais o de que um homem não pode chorar, não pode ter sentimento e não consegue, portanto, ser fiel a uma única mulher porque só quer saber de sexo. Se fosse assim, mulher não deveria votar, trabalhar fora ou fazer cálculo – tampouco trair – porque deveria estar sempre em casa costurando roupa, à espera do marido e completamente abandonada em caso de desavença conjugal. O mesmo Deus que é amor. Amor que, em um planete criado POR DEUS, não conseguiu ser mais forte que carência, medo e presunção.

Sempre fui uma filha decente, um ser relativamente consciente e não indiferente a quem não tinha a mesma sorte que eu, e, ainda assim, tudo me foi arrancado como se eu tivesse aproveitado todas as músicas do mundo, as baladas, os gastos descontrolados e como se eu tivesse consumido homens – produtos padronizados – e precisasse desses baques que a vida sabiamente dá para trazer à consciência quem vive apenas no padrão atual estipulado, que precisa entender um pouco mais das coisas verdadeiras da vida.

Olhar para trás não faz bem. Com muita dificuldade, desapego e sigo. O novo, porém, aceito e conquistado com o aprendizado adquirido, não acontece – como se eu fosse a mesma criança de antes.

Sinto-me tão inadequada a ponto de pensar uma blasfêmia, mas sinto, e mais honesto é contar. O que escondemos, nos devora. Fica assim: a vida mudou da água para o vinho. Até aí, normal, acontece e poderia, claro, acontecer comigo. O ponto aqui não é não compreender que nem sempre tudo são flores ou que sempre pensamos “isso acontece com o vizinho, mas nunca comigo”. Minha angústia é já ter as angústias e mudanças e a minha bagagem, entretanto, a minha bagagem não ter absolutamente nada a ver com o que aconteceu comigo. Às vezes somos tão atentos que podemos aprender na escola da vida pelo amor. Contudo, como uma criança da alma, que pouco conhece, reconheço a importância de aprender pela dor. Reconheço que um aparente mal pode, sim, ser um bem, que talvez não identifiquemos de imediato. O que ocorre é que concluí – e aí vem a minha blasfêmia – que o Bem, este que amadurece, que evolui e enobrece, nem sempre é um pedaço de bolo chocolate em um sábado à noite, mas também um comprimidinho amarelado e amargo. Nunca, jamais, um taco de beisebol que te colocam à força, sem aviso, na forma de um supositório. O segundo caso sendo o meu.

O que está errado?

Não há para onde ir, mas assim, não é possível ficar. Não posso mais voltar, porque já passou, não existe mais.

Queria ter novamente a liberdade de circular e, na ausência de coisas mais complexas, fazer algo simples e meu: tomar um café, ler e escrever. A impossibilidade de ir, de escolher, de ser obrigada apenas a fazer uma única coisa e continuar onde estou, mata a minha alma a cada dia. Não tenho mais escolha, espontaneidade, vontade, liberdade… alegria. Contudo, quando quase reverti a situação e fui como podia ir, fazendo apenas o que dava para fazer, paradoxalmente aos meus questionamentos, pensei no quão vazio seria ter que estar em um lugar mais caro e longe para fazer o que eu poderia fazer em casa – o que depende apenas de mim.

Quando eu podia ter, nunca me importei com o mundo. Agora, a impossibilidade de frequentar o mundo me deprime. Oprime! Porque me sinto presa, tolhida, excluída. Contudo, quando bato asas e voo, sinto o vazio de quem vive a vida de fora. Não é mais como antes…

Não poder viver a vida de fora me obrigou a viver para o corpo, para o sustento, e me tirou da vida de dentro; ter vivido para Deus e para o Amor naturalmente, sem precisar ter sofrido para isso, e levar um tombo como se eu fosse leviana e precisasse do tombo, foi bem mais do que eu suportaria, do que eu esperaria – como alguém que recebe a encomenda errada, ou que vai com a mala da praia para uma cidade de montanha – e fez-me perder-me de mim.

É como se eu não fosse mais a mesma. Não com a vantagem de uma “eu” amadurecida – também – mas com o prejuízo de ter perdido o melhor de mim, de eu não ser mais inteira, de não conseguir ver além de um dia ou um corpo ou uma carência e necessidades vis. E, então, todo o começo do texto poderia explicar-se, enfim. Aí, eu voltaria a explicar que quero ir, mas não consigo; e voltar não me é permitido; que o hoje me faz negar quem eu fui, mas não acontece; e o ontem, que era a realidade, não passou de uma ilusão – apesar de eu nunca ter sido tão eu, nem tão feliz. Em contrapartida, reconhecendo o que não deu certo e recomeçando, anseio, tanto, a vida nova que tenho… que simplesmente não é. Enfim, seria um texto sem fim. Um presente que gira interruptamente em torno do mesmo ponto.

O que sinto é fragmentado, não apenas porque escolhi pôr para fora pequenos sentimentos, mas porque por mais que eu me esforce e fique bem, no fundo, nada muda e eu seja obrigada a aceitar que o que restou após esta infeliz mudança – e dá medo de ficar sempre assim – foram apenas pedaços de mim…

Fonte imagemwww.gostodeler.com.br

 

 

 

 

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