Manual do Ser Humano Apaixonado

Apaixonados 1

(Texto escrito em 26/05/2014 e finalizado hoje)

Começarei com a frase de um personagem de novela, que ouvi há alguns minutos: “A única coisa que devemos temer na vida é o medo”. (Laerte, novela “Viver a Vida”, Manoel Carlos).

Sou a favor da paixão quando ela é a porta de entrada para o que depois vai se transformar em amor ou quando ela representa o máximo que um ou dois indivíduos conseguem ofertar no campo da afetividade, e ainda assim não desistem de tentar. Vejo a paixão como ruim quando vira vício que impede voos maiores, prendendo pessoas que já poderiam conhecer outros patamares da afetividade e, ou pela lei do menor esforço, ou iludidas, ficam presas em seus imediatismos, emoções intensas: extremos.

Começaremos com alguns conceitos básicos, contudo, pretendo, aqui, resumir um conjunto de aprendizados que talvez possibilite uma melhor vivência desta situação.

Se você quer aparecer diante de alguém; se não gosta de alguém mas, em vez de afastar-se (reação natural), vive procurando esta pessoa com a desculpa de resolver algo; se tudo o que você faz ou vive lembra de alguém; se o rosto desta pessoa não sai da mente; se você fica olhando o nada, sorrindo, ou se não consegue se concentrar direito no que precisa fazer; se você sempre dá um jeito de incluir alguém em uma conversa com terceiros; se você, involuntariamente, fica leve ou feliz após ter estado com uma pessoa (com exceção de pessoas brandas e pacíficas que emanam este tipo de energia a todos, não tendo necessariamente algo a ver com o campo da afetividade, mas sim como um estado energético) ou se a ausência de alguém é tão forte que se torna presente, dentre outros sintomas, prepare-se: você, certamente, está apaixonado.

Sei que parece um estado à parte, uma exceção à regra. Contudo, na minha opinião, o que sentimos neste estado tão especial nada mais é do que um dia sentiremos constantemente, sem a necessidade de outro ser, fora, para nos colocar em contato com o nosso melhor, dentro. Contudo, deixemos a projeção de séculos ou milênios de lado e fiquemos com a nossa possível realidade. 🙂

Porque os tipos de amor – conjugal, de amigo, de pai, de mãe, de filho, fraterno – nada mais são que métodos pedagógicos para aprendermos o amor maior, de acordo com o que estamos possibilitados a desenvolver em tal momento: um amor mais abnegado (mãe/pai), um amor mais cordial (amizade), um amor mais generoso (fraterno, coletividade) ou um amor mais reflexivo, espelho de nós, como o conjugal.

Claro, muito já foi escrito entre a diferença entre paixão e amor. Não serei repetitiva aqui. A paixão mexe mais com os sentidos e é efêmera, já o amor geralmente também desperta instintos (do contrário, é amizade), desejo e etc., todavia, tem como característica marcante os laços sutis, da alma.

No começo, não é muito fácil fazer a diferença entre um e outro. Contudo, com o tempo, a paixão pode desenvolver-se em amor, ou extinguir-se. Se o que ocorre for o segundo caso, ainda assim não há contra-indicação para a experiência. Vale apenas relembrar que a paixão é fugaz e, se relacionamentos rápidos é o máximo que queremos ou podemos oferecer, negar esta realidade e ser o que não se é, seria errado.

O respeito (que muitos ignoram, julgando pessoas em algo tão íntimo, tão pessoal) por estados de alma que geram práticas diversas no campo da vida amorosa não deve servir, entretanto, de motivo para menosprezar quem pensa de forma distinta e vive outra realidade. Julgar aquele que não consegue viver o amor é anti-amoroso, contudo, ouvir estas pessoas que vibram “paixão” ou insensibilidade e afirmam que o amor é ilusão ou coisas de românticos é tão leviano e ingênuo quanto uma criança de uma cidade minúscula e miserável do interior do Brasil afirmar com veemência que higiene é coisa utópica, que escola não existe ou que asfalto é ilusão ou que computador é coisa de louco apenas porque nada disso exista na realidade dela.

Sendo assim, se não somos mais insensíveis e se já estamos cansados da paixão (daquela que é sempre a mesma, mudando apenas o “objeto de desejo” e que apenas nos suga a energia e gasta o tempo, não das que ficam como novos aprendizados ou que resultem em amor), buscando mais e, por ventura, a reconhecemos novamente em nosso caminho, estranho seria ficar estagnado e repetir a mesma experiência insuficiente. Porque a lei natural da vida é movimento e crescimento.

Uma vez feita a distinção entre uma experiência válida (ainda que não eterna) ou algo que já não nos acrescenta mais nada, e realizada a melhor escolha, vem o segundo passo: mergulhar. E é aqui que ocorre, das duas, uma: ou levamos apenas o lado emocional, o “exagero no outro” e embarcamos com tudo, doa a quem doer – principalmente a nós mesmos, se não der certo; ou travamos o processo.

Ao contrário da minha bandeira (sempre a favor do amor a despeito de todos os sentimentos enganosos que existem no mundo) vou argumentar, em um primeiro momento, aparentemente contra a prática do sentimento. Porque, se o homem é inevitavelmente dotado de razão e emoção (apesar de algumas “pessoas exceções à regra”, excessivamente insensíveis ou totalmente desprovidas de qualquer tipo de lucidez), faz sentido que, ainda que em campos opostos, uma metade ajude a outra.

Paixão/ amor é algo inerente ao setor “emoção”, tal qual “planilha de finanças” pertence ao setor racional. Contudo, não é necessário manter estas duas metades em extremos opostos. Portanto, se, ao contrário do que alguns economistas radicais apregoam, quando pensamos na organização de nossas contas pessoais, não dá apenas para pensar em dinheiro e cortar “momentos” (cafezinhos, viagens, cursos), aumentando a poupança e aniquilando a qualidade de vida, não podemos nos entregar cegamente a uma emoção nossa, por melhor que ela aparente ser (ou realmente seja), sem ponderá-la.

Há séculos o homem usava sanguessugas para tratamentos de doenças e um médico ia de uma necropsia direto a um parto sem nem lavar as mãos, não entendendo que o que hoje chamamos de infecção matava filho e às vezes, a mãe. Hoje conhecemos o corpo humano consideravelmente e a Psicologia já avança em direção a mente. Falta, contudo, um conhecimento mais profundo e lógico dos sentimentos. Entretanto, comparando-os com a fisiologia do corpo, fica fácil deduzir alguns conhecimentos (além de raciocinar e perceber que, da mesma forma que no passado um médico não conhecia nem os microorganismos e hoje conhece-se bem o corpo humano, atualmente pouco se sabe sobre o funcionamento de nossas emoções, todavia, é seguro dizer que este quadro não ficará eternamente assim).

Há sentimentos saudáveis ao nosso ser e há sentimentos nocivos, tal qual os alimentos, por exemplo. Uma vez que se saiba que comer alimento “a” faz mal a saúde e que você possui, inclusive, tendência a desenvolver doença “x” com este hábito alimentar, não dá para chamar de acaso ou fatalidade seu adoecimento no futuro. Ao contrário do médico que matava o bebê após a necropsia, foi você o maior causador do seu mal. O mesmo ocorre com sentimentos ruins que não evitamos.

É graças ao raciocínio diante de um sentimento que conseguimos fazer escolhas melhores. Por exemplo: se já vivenciamos uma daquelas paixões avassaladoras, mas não estas que defendo aqui, e sim as “por fora, bela viola, mas por dentro, pão bolorento”, aquelas que nos seduzem em um primeiro momento para custarem caro a médio ou longo prazo, que nos prejudicaram, seja no trabalho, seja financeiramente ou seja emocionalmente (ou por sugar nossas energias ou por, ao serem bem mais rápidas e fáceis de executar, nos desviarem de relacionamentos mais sólidos – tal qual você querer um produto caro mas nunca conseguir comprar porque em vez de passar meses juntando o dinheiro, gasta todo mês o valor da parcela em coisas secundárias e no final fica frustrado porque nunca consegue o que quer), podemos ficar mais fortes para “lutar contra a tentação” e não repetir algo nocivo. Não é apenas o corpo humano que fica viciado em álcool, açúcar ou drogas: a alma também tem vícios em comportamentos autodestrutivos. Sejam eles com relação aos outros – egoísmo, arrogância, crimes – ou conosco: paixões destrutivas, ciúmes, culpa, falta de autoamor etc.

É graças ao raciocínio também que fazemos melhores escolhas também diante de uma história bonita, mas que, devido a fatores externos ao relacionamento, exige que pesemos valores e verifiquemos o resultado final, fazendo uma escolha saudável. Por exemplo: amar uma pessoa compromissada, mas não usar a força do sentimento como desculpa para interferir na vida de terceiros (se for para acontecer, a vida fará com o que não for verdadeiro se rompa para o que é real possa acontecer; não cabe a nós sermos a terceira pessoa na história de ninguém); precisar abrir mão de um relacionamento se for para o parceiro/a realizar um sonho, tal qual estudar fora do país; entender que, apesar de um sentimento verdadeiro, um ou os dois parceiros chegaram a um ponto de desgaste que talvez um tempo longe seja melhor que continuar juntos, quando há um vício de comportamento na dinâmica do casal (ciúme, carência, cobrança excessiva etc.).

Agora, sim, o oposto. Quando a razão interfere de forma negativa na emoção: alimentada pelo medo (que vem da alma), por exemplo, podemos cometer o engano de racionalizar tudo: “não vai dar certo, pois: ele é mais novo que eu; é muito mais velho; é pobre; é rico; é inteligente demais; inteligente de menos; é homem; é mulher; é de religião “A”; não tem religião; é negro; é branco; é japonês (etc.); é careta; é moderno; ele já fez “x” no passado dele (uma coisa é o passado refletir quem ele ainda é hoje, outra bem diferente é a pessoa ter tido um comportamento tal e hoje querer mudar, é não ser mais aquela pessoa e nós colocarmos um rótulo nela e lhe tirarmos a chance de recomeço, que existe a cada segundo, para todos) etc”. E, o pior de tudo: pensamentos que bombardeiam nossa mente, fazendo com que nos preocupemos mais com o que os outros pensarão destes rótulos que com o que sentimos.

Claro, somos seres únicos, formados por um conjunto de características. Sendo assim, haverá um determinado perfil compatível e outro incompatível conosco. Não me refiro a ficar com qualquer um ou não fazer nenhuma exigência, pois o amor conjugal é do tipo mais íntimo, é do tipo “espelho”. Para existir de forma satisfatória, precisa ser baseado na afinidade. Não escolher, nunca – principalmente quando o objetivo é um laço sério e duradouro, algo que vai nos exigir esforços para manter – não é arrogância ou egoísmo: parece mais falta de respeito e consideração consigo.

O que não pode ocorrer é quando afinidades profundas (visão de vida, valores, atrações sinceras e bem estar) são calados por rótulos, por títulos circunstanciais. Muito mais vale um casal de uma mulher vinte anos mais velha que o homem ou de um branco e uma negra que compartilhem a mesma opinião quanto à criação de uma criança ou como cuidar de um parceiro amoroso, que duas pessoas brancas, modernas, que freqüentadoras da mesma igreja, que gostam de filmes europeus e de pizza sem cebola, mas que não concordam quanto à monogamia, ter ou não filhos, limpar ou não a casa, ser caseiro ou baladeiro etc.

Claro, às vezes o desafio do amor será aceitar algumas diferenças – pois ninguém é igual – mas um verdadeiro casal é aquele que tem o maior número de afinidades possíveis não apenas no campo superficial – gosta de tomar café ou de ler jornal de domingo – mas com relação a valores, a perfis de vida. Nestes valores intrínsecos ao ser, parafraseio meu próprio livro (“Desvendando o Amor”): os opostos se atraem, sim: para delegacias, fóruns, hospitais e necrotérios. Quer ter várias experiências advindas de pessoas? Viaje, interaja com pessoas, converse, conviva, faça amigos. Não se envolva emocionalmente, pois depois dá muito trabalho e dor desfazer o laço.

Voltando ao segundo passo, ao ato de usar a razão para justificar o “não mergulho”: geralmente, encontrar desculpas lógicas desta natureza de aparências para a não vivência de um sentimento é apenas negar o que já ocorre: a vontade de vivê-lo.

E, assim, com a ajuda do medo do compromisso, ou, mesmo que apenas por alguns momentos, medo de se entregar, de, ao menos, arriscar para entender qual é a natureza do sentimento (medo do desconhecido: quando nunca sentimos e precisamos experimentar para saber se é passageiro ou se é algo que vai crescer e se tornar amor; e, em se tornando amor, se será daqueles amores que aparecem em nossa vida para nos ensinar algo, mas passam, ou daqueles que vêm para ficar – cada ser humano tem uma mistura distinta desta categoria em sua história passada e futura, de acordo com as necessidades íntimas), fugimos.

Talvez, até, passemos por este medo da entrega, aceitemos o sentimento e tenhamos nossos momentos de sonho, contudo, fugimos quando chega o momento do confronto: envolver o outro. O medo do “não”. E, assim, vamos nos empurrando, sem saber, para a vivência deste sentimento, só que da forma contrária: ou buscando experiências e sensações ou emoções que já vivemos antes, porque é seguro, ou enfiando os pés pelas mãos em qualquer oportunidade que nos bata à porta, apenas para nos manter ocupados e distrair nossos sentidos – e nosso coração.

E é aqui que chegamos ao ponto delicado. Porque se, por um lado, é preciso ser muito racional para saber separar, na análise da situação – eu tenho chance? – o que é a vontade de que aconteça (esta “danada” que pode criar muitos gestos inocentes que podem parecer, aos nossos corações carentes ou simplesmente extasiados, declarações de amor), do que é real percepção (aqueles gestos realmente são pessoais, então, sou correspondido… e agora?), precisamos parar de pensar um pouco e deixar as coisas fluírem. Quando tudo está entendido, desligar o modo “pensar” e parar de cruzar dados, enxergar negativas em gestos inocentes, projetar futuros maravilhosos sem nunca ter nem havido um beijo e por aí, vai.

Por que arriscar o não? Simples: porque, cedo ou tarde, para acontecer, alguém terá que se manifestar, seja com gestos ou falas. Entendo o receio: o fato de ir não garante o “sim”, contudo, só acontecerá se alguém se dispuser a arriscar. Do contrário, seremos protagonistas de belos enredos dignos de livros e filmes que passam uma bela mensagem para a humanidade a respeito do amor, que existiu por toda uma existência, isolado no coração de cada uma das partes, perdendo, contudo, algo ainda mais belo que é trazer um sentimento assim ao cotidiano, tocando, também, a humanidade não apenas com uma mensagem poética, mas sim incentivando sentimentos e pessoas pela força do exemplo. Fora a dor poupada pelos “protagonistas”, ao escolherem viver sua própria história em vez de sofrerem calados.

Romântica e aprendiz de poeta que sou, se experimentei uma lição na vida, foi esta: não há melhor gesto amoroso que uma companhia ao supermercado, um carinho perdido na fila do banco ou uma casa planejada e pensada entre brigas e acertos de um casal que se ama, nem maior poesia que um corriqueiro (porém intenso) encontro de olhares.

Funciona assim: antes de mais nada, descubra da forma como estiver ao seu alcance (terapia, conversa com amigos, reflexões a respeito de experiências passadas, sofrimentos-aprendizado etc.) se você é carente, ansioso, inseguro e se possui autoestima baixa. Porque todas as distorções na percepção, seja para mais ou para menos (“ele me ama” quando apenas é um ser humano gentil, ou “ele não me ama” quando só falta se declarar e é você quem, no fundo, foge ou – preste atenção nisso! -, ao menos, o desestimula com seu medo de rejeição, inconscientemente o renega e, assim, o confunde e o afugenta), irão atrapalhar o processo e, em casos extremos, fazer com que percamos oportunidades.

Se descobrir uma ou mais destas características em você, não se desespere, mas também não se acomode: dependendo de outros fatores de sua personalidade ou do grau de profundidade destas características em você, é possível que não vá ter tempo de lapidar completamente estas lacunas sem perder a oportunidade da história em potencial que aparece AGORA. Você terá, então, que detectar estas características, conhecer seus mecanismos e descobrir onde elas interferem na sua percepção, para poder dar continuidade à possível história, apesar delas. Do contrário, se elas ainda forem forte demais, você simplesmente não conseguirá viver o relacionamento, ou, ao menos, este relacionamento, e será atraído por outro mais compatível pelo momento emocional que vive.

Se tudo estiver em equilíbrio dentro de você e o sentimento for assumido e desejado, até mesmo o medo do “não” internamente superado, agora chega o outro desafio: a interação. Colocar o sentimento em prática. Lembre-se de que por mais vontade que haja, não há compromisso algum entre você e o ser amado e, se mesmo quando há um laço, nunca há garantia absoluta (o risco faz parte da natureza do assunto “relacionamentos”. Geralmente só se dá bem neste campo quem assume o risco e, desencanado, coloca menos pressão ficando assim em paz, dando o melhor de si, o que é a base para o êxito desta experiência), não será agora que tudo o corre somente no mundo íntimo, que haverá.

Portanto, se, por um lado, não devemos nunca nos desvalorizar e correr atrás de quem não nos ama (não quem é teimoso, “duro na queda”, ou está confuso, o que requer tato e paciência, mas quem de fato não nos quer!), não devemos desistir na primeira negativa. Porque nesta fase tudo são experiências, e o fato de existir uma terceira pessoa na história, por exemplo, em vez de sinal de que “não é para mim” pode, sim, ser o impulso que faltava. Seja para os mais acomodados tomarem uma atitude ou os mais medrosos perderem o medo, seja para mostrar ao indeciso ou aparente indiferente o quanto quer aquela história, quando a vê escapando para “os braços” de outrem.

Ou, (e, perdoem a brincadeira, mas aqui se manifesta a minha fase “beijinho no ombro”…rs…) seja para os seguros praticarem a arte de serem conscientes de que o que têm a oferecer é mais sólido, de que a vida às vezes pode estar ofertando um parâmetro de comparação que fará com que a pessoa tenha mais certeza na escolha, quando optar ficar com você, apesar destas outras experiências que viveu.

Porque para quem não (mais) se assusta com as aparências dos fatos, quem leva mais em conta a essência, fica ainda mais forte – e não fraca, perdedora! – ao saber que por mais que aparentemente o que se vê é a negação, a causa daquele fato é exatamente porque o que a pessoa sinta seja tão poderoso que o move, ainda que seja na direção contrária. Que o que este sentimento poderia ser pode, sim, mostrar-se maior que vivências passageiras, e espera seu tempo e o amadurecimento oportuno da outra parte para acontecer. (Desde que esta “espera” respeite suas – de quem ama –  próprias limitações e seu tempo, do contrário, é inevitável uma temporária separação de caminhos. Refiro-me a pequenos “desencontros” que não atrapalham o andamento da história, que acontece em um ritmo lento por ainda não haver laços consolidados, não a insistirmos em algo que ainda não está maduro ou que não é para ser).

Ainda que tudo dê certo e o relacionamento aconteça, o perigo na paixão e mesmo no amor é que, por ser um “amor de reflexo”, é muito comum buscarmos no outro o que deveríamos encontrar em nós. Deveríamos estar inteiros para, somente então, atrair o parceiro por afinidades. Pois esta forma de amor (conjugal) é, ao mesmo tempo, algo muito íntimo, só que mudamos o que incomoda fora, no outro – onde é bem mais fácil. A projeção é saudável, desde que seja para naturalmente atrair os iguais, não para pegarmos atalhos catastróficos rumo ao nosso autoconhecimento.

Ou, muitas vezes, até iniciamos um relacionamento pelo motivo certo – admiração pelo que o outro é, não a complementação de lacunas que eu tenho que é mais fácil buscar fora que lapidar em mim – mas, devido a outras situações da vida, à incapacidade do ser humano em manter o que obtém, ou às suas oscilações emocionais, passamos a tratar o relacionamento mais como expectativas e recebimento do que como doação e engrandecimento, projetando a própria vida no parceiro, na relação, perdendo a individualidade.

Este fato ocorre não apenas quando a relação está estabelecida, mas também quando esperamos a reciprocidade. Pois o que era uma possibilidade maravilhosa de experiência, entretanto, por não ser nossa, ainda, maduramente aceita como impossível caso recusada, passa a ser uma necessidade de nossas carências e a possibilidade do “não” é tão horripilante que passa a ser preferível não vivê-la que arriscar conhecer a verdade.

Vale lembrar que alguns de nós têm experiências negativas que nos travam a caminhada e às vezes passam uma mensagem equivocada, necessitando atenção específica para este tipo de interação. Nem sempre quem não quer o faça porque não sente nada, pois se forem dois tímidos, dois inseguros ou dois traídos e/ou traumatizados emocionalmente (em diversos setores, não apenas na vivência afetiva) interagindo, será difícil guiar-se por clichês do tipo” homens geralmente tomam a iniciativa” ou “se não lhe der bola, é porque não quer, esqueça, a fila anda”. O tempo e os sinais aqui serão outros e as barreiras, maiores, dobradas. Cada caso, sempre, é um caso.

Esta ressalva feita, a conclusão é que, de maneira geral, quando passarmos (ou voltarmos) a ser apenas indivíduos inteiros, com outros setores para administrar – trabalho, família, amigos, hobbies, projetos pessoais etc. –, por mais que este setor de nossa alma mexa lá no fundo e realmente tenha o poder de iluminar ou escurecer o pano de fundo da vida, e não mais quem se deixe levar 99% pelo setor afetivo e 1% por todos os outros, teremos muito mais coragem para levar os “nãos” necessários e comuns que naturalmente nos acometem, até que o “sim” ocorra.

Portanto, doar tudo o que temos nem sempre será garantia de retorno, contudo, boicotar o que sentimos ou acreditamos é definitivo para determinar o fim de algo que poderia ir longe, muito além do que se poderia imaginar.

Assim, o “não” pode até ser evitado com a nossa pseudo autopreservação, mas o “sim” só acontece quando perdemos o medo de errar, o medo da rejeição e quando, apesar da consciência do fim, vivemos cada dia como se fosse o último e o sentimento, como se fosse mesmo eterno, aceitando as cenas do cotidiano, os vai-e-vens de emoções, os altos e baixos e recomeços que vivemos fora de duas horas de edição em uma tela ou quatrocentas páginas em um livro, somando tantos dias assim que, quando menos se percebe, era este mesmo o grande amor de nossas vidas e passou-se tanto tempo que, quando paramos para ver, percebemos tratar-se, como se desejava, de toda uma existência…

Fonte imagem: todateen.uol.com.br