Segundo trabalho

Bom dia a todos!

Estou retomando as atividades profissionais virtuais. Terei como regra postar contos às quintas-feiras, salvo algum imprevisto. Quanto aos outros dias da semana, falarei  sobre temas relacionados ao trabalho do escritor e do jornalista, sempre que houver inspiração ou possibilidade. Confiram periodicamente! 🙂

Apesar de ser o terceiro a ser publicado, este texto foi, na verdade, o primeiro produzido desta série que venho escrevendo.   O primeiro conto publicado aqui, “O Político que Não Está Sozinho”, na verdade é o segundo publicado, pois há outro exibido anteriormente em meu  primeiro blog.

Vale lembrar que ele está protegido legalmente e a reprodução de parte ou de todo seu conteúdo por qualquer meio sem a prévia autorização é crime.

Espero que gostem! Abraço,

Camila Lopes Pigato

Contratempos do Caminho

A viagem estava marcada. A rota, traçada. Os objetivos apontados. As promessas, feitas. Os preparativos acertados. Chegam as despedidas, a mudança, a partida. E o recomeço…

O pôr-do-sol era rosado e o céu, limpo. O carro andava a 120km/h, mas era como se tudo estivesse parado. A boneca em suas mãos, recém tirada da caixa que o Papai Noel havia trazido, ainda tinha os cabelos penteados. Era mais um domingo de um final de semana bem vivido. Ela olhava o sol se escondendo nas montanhas enquanto conversava com o novo brinquedo.

Aprendera que havia tempo certo para tudo. Havia aprendido a sentar-se ereta, comer sem fazer barulho, não interromper as conversas dos adultos, a brincar num cantinho da sala quando havia visitas e correria e gritos somente quando no estava quintal da casa da vovó. Agora aprenderia a multiplicar, dividir, formar frases, o clima, os bichinhos.

Ele era mais arteiro. Em uma cidade à beira da estrada, sentado ao lado de seu cabritinho, olhava o pôr-do-sol rosado dar o contraste da ave que voava ao fundo, o barulho calmo e repetido da água que corria no ribeirãozinho. Em sua mente, tudo era movimento.

Aprendera que havia tempo certo para tudo. Pedia a bênção ao chegar em casa, não se metia em assuntos de adultos, ia sempre correr, subir em árvores e roubar frutas do vizinho. Na escola, iria aprender a multiplicar, dividir e formar frases. Sobre o clima, descobriria que aquilo que se aprende nos livros não é tão simples quanto o que vê na mesa ao ter uma boa colheita ou perder a flor por falta de chuva. Em vez de estudar para ver as fotos dos bichinhos com quem ele brincava desde pequenino, iria chamar o amigo para jogar bola.

Quando ainda nem havia ficado mocinha, no aniversário de uma amiguinha que em vez de palhaço tinha DJ, ela teve o beijo roubado por um coleguinha. Sentiu-se estranha, mas as amigas até bateram palminha e sorriram tanto que ela acabou achando aquilo tudo uma gracinha.

Ele tinha uma amiga, mas percebeu que não eram mais tão amigos quando ela havia ficado mocinha. Trocado pelas outras menininhas, cheias de segredinhos, ele voltou a jogar bola com o vizinho. Estudava quando podia, ajudava a mãe em casa e de vez em quando, lia.

Num final de semana os pais dela a levaram à pequena cidade onde os avós moravam. Passeavam juntos pelas lojas quando ela encontra um outro coleguinha que a havia beijado numa outra festinha. Nem vê se aproximar o menino que vinha em sua direção, encantado.

Ele levava o último litro de leite para o cumpadre terminar o bolo que havia começado, quando viu uma linda menina de mãos dadas com um senhor muito bem apessoado. Seu coração bateu levemente descompassado, mas logo outro rapazinho chegou e ele nem fora notado.

Já com o coração partido pelo rapaz mais cobiçado, negando o amigo que a amava e estava sempre ao lado, ela, perdida, fez amizade com quem não devia. Na escola, aprendia história, geografia, química orgânica e biologia.

Apesar de ser um rapaz decidido, ele  foi pressionado pelo amigos a aceitar o gracejo da mocinha que em todo baile para ele sorria. Ela era bonita, mas ele por ela nada sentia. Em pouco tempo, porém, eram namorados. Na escola, aprendia história, geografia, química orgânica e biologia.

Acostumada a fazer os que todos faziam, quando saiu pela primeira vez dirigindo seu carro com os amigos, finalmente dormiu com o namoradinho. Era a última da turma que ainda não havia aprendido na prática a “biologia”.

Ele pegou emprestada a caminhonete do tio para levar a namorada ao baile. Para não fazer feio diante dos amigos e porque seu corpo queria, foi ele também aprender a “prática da biologia”.

Castigada pelos pais por ter dirigido embriagada, ia passar as férias num curso de verão na fazenda do avô. A avó já havia partido.

Ele até aprendeu a gostar da namoradinha e juntos viviam. Se faltava alguma coisa, para ninguém ele dizia. Havia decidido ajudar o pai nas aulas práticas de jardinagem enquanto a namorada trabalhava na padaria.

Ela foi “obrigada” à porta do sitiozinho onde a aula seria iniciada. Mexer com a terra poderia estragar suas unhas e o vento acabaria com o penteado.

Com os cabelos tingidos, bem mais magra, ele não reconheceu aquela menina encantadora nessa jovem mal-humorada.

Seus olhares se cruzaram e ela notou algo, mas logo um rapaz mais alto, loiro e bem apessoado perguntou seu nome e ela, carente e mal amada, deixou-se ser cortejada.

Ele, desanimado, recebeu o convite dos amigos para uma esticada e no dia seguinte perdeu o trabalho. O pai, decepcionado, achou melhor liberá-lo para curtir um pouco mais a vida e ele, porque era jovem, viajou com os amigos mesmo sentindo o peito apertado.

Já na faculdade ela caminhava resoluta, com seu destino traçado. Começaria naquele dia o estágio na Clínica Veterinária da Universidade.

Ele, estudando em outro turno para pagar os estudos na cidade grande, como sempre havia sonhado, decidiu seguir o conselho do pai e trabalharia na Universidade, vaga que já havia arranjado.

No dia em que seria entrevistada, ela perdeu a hora devido ao novo namorado que também já a havia largado. Novamente estava embriagada.

Ele compareceu à vaga preenchida devido a tanto conhecimento prévio, mas precisou voltar ao campo pois pouco antes de ter terminado o namoro, não sabia, mas a namorada havia engravidado.

Com uma turma diferente da que havia começado, canudo na mão, abriu um consultório e, sozinha há dois anos, investindo em si mesma, em seu trabalho, perguntou-se o que faria com as aulas de história e de geografia, conhecimento útil, porém, para a sua realidade, defasado. Para sua vida, muito pouco serviria.

Com o filho entrando na escola e com o casamento atormentado, ele ajudava o primo, veterinário, e dali tirava o sustento de sua família. Sentindo falta de algo que ainda desconhecia, perguntava-se por que havia aprendido tanto na aula de matemática, história e redação que nem em seu trabalho ele uso disso fazia, e por que tão pouco sobre si mesmo ele sabia.

Seguindo em frente sempre confiante, ânimo elevado, ela inscreveu-se para o Congresso de sua especialidade.

Numa tarde de primavera em uma cidade grande, após com o primo ter viajado, ele viu muitos veterinários reunidos e seu sonho foi reavivado. Mas teria que esperar mais um pouco, pois mesmo com falta de carinho e as brigas, o segundo filho estava encomendado.

Ela, novamente elegante, cabelos cumpridos e levemente encaracolados, como havia nascido, não percebeu o rapaz sem jaleco que havia adentrado ao recinto.

Ele, um pouco mais gordo e rosto cansado, em nada mais parecia com o jovem que tanto lia e sonhava acordado. Mas ainda assim seguia. Reparou na linda moça que sempre sorria atrás dos cachos levemente dourados.

Ela, sozinha, havia esquecido no balcão um caderno amarrotado, mas tinha menos de cinco minutos e se saísse, a mesa perderia.

Ele, notando seu pequeno dilema, pois tudo havia observado, aproximou-se por trás com o caderno a salvo.

Sorriram e por alguns minutos conversaram. Outro café foi marcado, e era incrível a afinidade. Com os amigos jantaram e por três dias os encontros eram sempre esperados. E minimamente aproveitados.

Separam-se no corpo, cada um voltou à sua rotina, mas no pensamento continuaram ligados.

Ela pensou em fazer contato, mas lembrou que ele era casado.

Ele tomou coragem para se separar, mas o filho chegou da escola, machucado.

Ela conheceu um homem bacana e começou a namorar, sem nunca deixar de lembrar de seu amado.

Ele entendeu como ainda era primitivo o motivo pelo qual se compromete atualmente e que a isso se chama liberdade, mas se está equivocado. E por não haver uma teoria sobre isso assim como há para as línguas, a matemática e a geografia, precisou aprender com a própria vida. Quando teve maturidade para ser realmente livre, já estava enlaçado.

Ela foi à cidade ao enterro do avô e quase caiu quando o viu com duas crianças e à sua esposa abraçado. Seu namorado julgou ser a emoção da perda e a deixou confortada.

Ele viu o abraço e o beijo e sentiu o peito em chamas, mas após mais uma briga, para tirar o terror do rostinho dos filhos, precisou sorrir para aquela que estava ao seu lado, e que seu braço em volta de si havia minutos antes colocado.

Mais rápido do que seria possível ela exibia o anel de casada.

Quando os filhos saíram de casa e eles nem juntos mais dormiam, ele pediu o divórcio e saiu pela estrada. Foi visitar aquela que nuca saíra do pensamento.

Ela chamava um nome que ninguém conhecia, até o último momento.

Ele encontrou-a deitada, olhos cerrados, escondida sob flores cheirosas, um tapete de grama e seu rosto tinha as lágrimas secas com a ajuda do vento.

Perguntou-se por que havia namorado quando queria ler, passeado quando teria seu avô visitado, feito sexo quando o amor era a única coisa que queria ter vivido.

Talvez, se tivesse primeiro se ressolvido, veria o real sentido de passear, namoraria aquela que fizesse seu coração pulsar e seria feliz somente por ter sido, não observando o que os outros faziam e imaginando o que poderia também estar sentindo.

Apenas uma rosa ele deixou naquele lugar, pois o que realmente importava era que ele a levava consigo. Aceitou o que mais a vida quis lhe mostrar, e ele agora tinha olhos de quem já tinha vivido. Muito mais pôde aproveitar.

Os netos deram o amor que ele não teve. Aprendeu a de sua ex companheira ser amigo e apesar das tristezas, sentia paz por ter aprendido.

Já de jaleco e em seu próprio consultório, parava todo dia naquele mesmo horário para apreciar o cafezinho, como haviam feito naquele tempo. Olhava as montanhas e sorria, porque sabia que tudo isso era o oposto do fim, e muita coisa ainda havia pela frente…

A viagem estava marcada. A rota, rasurada. Os objetivos apontados, nem todos cumpridos, mas o saldo positivo. As promessas, esquecidas, mas em outra oportunidade seriam relembradas. Os preparativos acertados. Chegam as despedidas, a mudança, a partida. E o novo começo, dando continuidade a esta incrível jornada…

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Fonte imagem: http://pensamentoextemporaneo.files.wordpress.com/2009/07/caspar-david-friedrich-viajante-diante-do-mar-de-nuvens-1818.jpg