Dia Nacional do Escritor/ Conto

Bom dia! Hoje é o Dia Nacional do Escritor! Parabéns a todos os colegas de ofício! Precisamos enaltecer esta profissão tão nobre e necessária à sociedade!

Como planejado, às quintas-feiras há publicação de textos por aqui, e hoje não será diferente. O de hoje é um pouco emocional, mas sempre há a oportunidade para algum tipo de reflexão.

Vale lembrar que o texto é legalmente protegido, portanto, fica proibida a reprodução de parte ou totalidade de seu conteúdo em qualquer tipo de mídia.

Abraço!

Camila Lopes Pigato

Dia dos Namorados – atrasado

Moça bonita, pais separados, irmãos casados, com os pretendentes, muito exigente. Poderia cuidar de um cachorrinho, mas ela vê tantos ao caminhar pela avenida que ao pensar no gasto que teria, somente ao tê-los como amigos de caminada sente o coração saciado.

Prenchendo o papel para, se ganhar um automóvel, ter seu sonho realizado, essa moça observa o movimento entre mordidas de um sanduíche leve e um suco light que consome para manter a forma.

As crianças passam conversando, chorando, correndo, sorrindo e até mesmo no colo dos pais ou nos carrinhos, dormindo. Ela tinha acabado de vir da loja onde voltou a olhar os pequeninos macacões e imaginar quem estaria fazendo a compra de um deles num futuro, ao seu lado.

Cansada por um dia lindamente vivido, chegou em casa e deixou seu corpo preparado para o sono que viria. Usou o banheiro, tomou banho, escovou os dentes e em vez de ler um pouco, apagou as luzes e, com o CD de relaxamento, fez sua oração e em breve já estaria em desdobramento.

A vida era atribulada. De dia cuidava do corpo, trabalhava, nos intervalos lavava roupa, limpava a pia e cozinhava. À noite ainda estudava.

Por ser solteira muitos a julgavam sem compromisso, sempre à disposição. Seja em matéria de favores, ou em matéria do coração.

Gostava de ver um seriado de comédia ou um filme romântico e comer besteira sem se importar com a dieta naquele momento. De vez em quando fazia comprinhas que alguém mais sensato não faria. Não somente coisas úteis, mas às vezes engraçadinhas. Entretanto, aprendeu a nunca mais deixar um rombo no orçamento.

Não gostava de viver na corda bamba, queria sempre tudo muito organizado. Mas ficou viciada no planejamento e triste ficava quando as coisas não saíam como queria.

Certo dia, dirigindo só para ter a mente desanuviada, acabou sozinha, num restaurante. De lá escreveu algumas palavras para expressar o que sentia, mas nada mais que fizesse em resposta a algum conflito que tinha trazia os esperados resultados.

O amigo que reencontrou e que a havia pedido contato mais próximo naquele dia deixou sua mente embaralhada.

Estaria ela com medo da realidade ou se escondendo no mundo imediato, com medo de não conseguir viver sua realidade de dentro e, apesar dos futuros aplausos que teria, estar assim como os outros vivendo a ilusão?

Para ela relacionamento era coisa séria. O outro também era alguém a ser respeitado, não somente ela. Se não queria ser usada, como pelo outro não ter considerção?

O amigo, e mesmo se fosse ainda desconhecido, merecia respeito. Mas a mocinha, digna de um filme americano, com sua rotina bonitinha, que também poderia ser mostrada com uma música alegrinha, já era bem grandinha para mostrar discernimento.

Se por ele não sentia mais do que atração, mas queria sentimento (e sabia que com ele, isso não teria), estaria traçando um caminho, fazendo escolhas que no futuro a levariam a outra direção, ou em nome de sua imaginação, deixava de viver o momento?

Sua opção foi voltar cantando e comer o doce “amigo” para relexar. À noite foi estudar só para dizer que sua vida não estava totalmente fora do eixo.

Os dois eram jovens, bonitos e solteiros. Talvez, se tivesse dito sim e não simplesmente desaparecido, teria tido companhia no dia dos namorados. Porém, decidida, viveu sua vida sendo a protagonista de seu filminho, dele separada.

Os dias que antecederam o evento ela passou revoltada. Veio, todavia, o discernimento e ela caiu em si. “É apenas uma data comercial, preciso ser mais forte e viver a verdade de dentro. Posso ter alguém que por força das circunstâncias está ao meu lado e passar este dia com um figurante. Ou posso encontrar o protagonista e em qualquer época, em qualquer dia e com meu amado, desfrutar da emoção deste momento ”.

Quando os casais se beijavam e os corações eram tantos, que até poderiam ter irritado, ela, já iluminada, quase nem percebeu. Passou as vinte e quatro horas amando a si mesma e sentindo-se feliz por em vez de agido por impulso, ter pensado…

Com o cabelo penteado, as unhas feitas, o carro limpo, a bolsa nova e a blusa de melhor caimento, depois da manutenção na casa ter feito, ela foi mais uma vez procurar um capuccino, que era quando podia filosofar.

Um rapaz alto, esbelto e fino perguntou se poderia se sentar. Por minutos conversaram, e ele não parava de elogiar. Sua beleza, sua postura, sua inteligência o haviam deixado encantado, ele dizia.

Ela, analisando mas também gostando, sorria. No fundo da alma, mais uma vez, a velha pergunta se fazia: “será que é ele, será que encontrei meu companheiro”? Por mais que dissessem que homem é tudo igual e que não se satisfazia com uma mulher apenas, ela preferia deixar esse tipo de pessoa para a mulher que sintonizasse com o pensamento geral. Se ela era humana, mas racional e com um emocional aguçado, incapaz de magoar alguém por instinto ou inferioridade, por que não poderia ter um homem similar ao lado?

Nada contra havia quanto a quem seguia a outra filosofia. Era engraçado, da vida dos outros ela nada falava, mas muitos da sua diziam e queriam dar direcionamento, como se tivessem tudo a ensinar, mas muito pouco de si mesmos sabiam.

Terminando a deliciosa combinação italina em líquida forma, continuaram a conversa, animados, pedindo chocolate quente que o frio permitia.

Quando chegou a vez de falar de si, o rapaz coisas para ela sem nexo dizia. Em vez de mudar de assunto com as já conhecidas profissão e local onde morava, quando queria saber um pouco mais das aptidões, do que o agradava, ele empinou o peito e passou a falar não do que trazia por dentro, sua visão do mundo ou de seu sentimento. Mas do carro que dirigia, do poder que no trabalho detinha ou no quanto era bonito e a oportunidade rara que ela vivia.

Empolgado por ter finalmente encontrado moça de tamanha beleza, parecia impossível não acabarem juntos na cama ali mesmo, naquele dia. Isso ele não disse abertamente, mas fez insinuações que até mesmo uma moça mais descarada coraria.

Nossa amiga, mais uma vez desenganada, apenas suspirou e mentiu que tinha um compromisso, pois era incapaz de ser indelicada. Percebendo a mulherada na mesa ao lado, que por ele estava visivelmente interessada, deixou o chocolate esfriando, pendurando na conta com um gesto ao funcionário conhecido e fugindo do local, sentindo se livrar de mais uma roubada.

Se fosse fumante, com certeza um cigarro acenderia. Chocolate agora seria nauseante. Mais uma vez ela sonhava, e acabava num banho de água fria.

Enquanto isso a mesa ao lado faturava e com uma delas, talvez com duas, já planejando o futuro, o rapaz se contentava.

Como os pais moravam longe e quando a viam, mal do outro falavam, e ela sofria; os irmãos estavam em lua-de-mel ou acompanhando a pequenina ao sapateado ou juntos passavam o feriado, e as amigas apenas “eu avisei” lhe dariam, nossa mocinha da história não tinha a quem recorrer e sozinha novamente estava.

Resolveu ir ao mercado, verificar se havia tomate em promoção, pegar uma amostra grátis de café ou comprar um bolo para comer com o sorvete que jazia no freezer desde a última reunião.

Na fila do caixa a TV exibia com animação a torcida para a Copa do Mundo. Pensou em quantas Copas haviam projetado o parceiro e por quantas ainda ficaria vendo desacompanhada a Seleção.

Chegou em casa arrasada e não só comprou bolo recheado e acabou com o sorvete como acrescentou calda de chocolate que até respingou no chão.

Acostumada a fazer tudo por si, não deixou para o dia seguinte a limpeza, do contrário, formigas viriam e ela mais trabalho teria, então, interrompeu a diversão.

No início da alvorada mais uma feira chegaria e toda semana, no fundo, sem querer, a mesma reclamação: se eu tivesse um namorado, menos peso carregaria e metade do tempo usaria para fazer o sacolão.

Mas mesmo com dinheiro no banco insistia em deixar os R$ 50,00 para outra “eventualidade” e não comprava o carrinho de feira, sendo “obrigada” a carregar tudo na mão. Não poderia perder a desculpa para justificar o porquê de se ter um homem ao lado quando em fase de revolta e o pensamento não estivesse são.

Chateada com a ausência mas voltando a sentir-se bem-humorada, não sentia solidão. Por mais uma semana havia cinema em casa na sexta-feira, um capuccino com as amigas ou com a turma reunião, a leitura de um livro e o adiantamento de alguma obrigação.

Parou de projetar tudo num ser vivo, agradeceu o que tinha e com esperança segiu. Trabalho, estudos, família (quando tinha) e amigos (quando não se importaria em ouvir sermão).

As crianças para ela pulavam. Até as amigas mais desgarradas conseguiam se casar. Mais alguns dia dos namorados passou em companhia das amigas separadas ou estudando para a pós-graduação. A vida de todos parecia caminhar, mas ela não queria viver por viver e continuava firme em sua decisão.

Assim, muitas vezes cantando e sorrindo, sonhando, às vezes chorando, muitas vezes por medo de esperar em vão, seu filme romântico da vida real saiu da introdução.

Após muito de sua rotina mostrar, muitas e muitas musiquinhas engraçadinhas de fundo tocar e explorando o quanto era especial, chegou o momento de com o mocinho ela encontrar.

Quando ela viu o que viu em seu olhar e com o tempo reconheceu o quê vivia, enfim, o que tanto queria, que não era boba a sonhar, mas alguém que já pressentia, e que precisava ouvir o seu coração falar, negando o que muita gente, com a melhor das intenções, sugeria, pôde finalmente suspirar.

Talvez se tivesse se envolvido com aqueles que a queriam, ou não queriam, só estavam ali por um curto espaço de tempo e com ela não se comprometeriam, não conseguisse estar livre para quando este momento chegar. Ou teria feitos outras escolhas, trilhado outros caminhos e nem soubesse que ele existisse, tendo alguém ao lado mas sentindo falta de algo que não conseguiria identificar.

Loucura se analisado apenas o momento exato, com o passar do tempo, porém, concluiu que valera à pena esperar.

Uma Copa e meia depois, lá estava ela comemorando outra vez, mas pela primeira de verdade, o Dia dos Namorados, em plena segunda-feira.

De vez em quando brigavam, mas era tudo tão à toa que em poucas horas já estavam vivendo numa boa.

Um dia pelo parque passeavam, ela de barrigão, e uma linda jovem a olhava sem inveja, com admiração. Percebendo ter sido notada, a jovem de desviar a cabeça fez menção, mas nossa futura mãe fixou o olhar na linda menina, sorriu com sinceridade e lhe disse: “Tenha fé. O que é seu está guardado. Acredite em seu coração”.

Voltou a segurar a mão de seu amado, ganhou um beijo sincero e juntos continuaram caminhando de mãos dadas, sorrindo um para o outro e para a vida, esperançosos pelo que o destino os reservaria, certos de terem encontrado a felicidade que vivenciavam no dia-a-dia, num simples toque, numa troca de idéias, um olhar carinhoso, um artigo a ser comprado para a casa, um beijo roubado fora de hora na fila para pagar a conta ou um bilhete de amor antes da refeição.

Não foi nada planejado, eles realmente se encontraram e no começo nem notaram o que sentiam. Aos poucos foram se admirando e quando menos esperavam, já estavam enlaçados, lembrando do primeiro dia: tudo havia começado com um simples aperto de mão.

Fonte da Imagem: http://4.bp.blogspot.com/_fhi0bOHOq7c/Sw7W99dQP0I/AAAAAAAABsg/OKtUhDGdPls/s320/escrevendo.jpg

2 thoughts on “Dia Nacional do Escritor/ Conto

  1. Notei uma ponta de autobiografia nisso? =P

    Aliás, nunca é dia dos namorados atrasado. Sempre é dia dos namorados e tempo para se enamorar. ^^

    bjao

    • Olá!!!!
      Bom, muito do que o escritor coloca em seus textos pode ser “baseado em fatos reais”…rs… Sim, tem um toque pessoal neste conto específico, mas o bom de escrever é justamente isso: você pode modificar a realidade. A partir de uma idéia inicial, prosseguir com situações diversas, pessoas misturadas com realidade e ficção, e por aí vai… 🙂
      Abraço!

Deixe um comentário