Conto – “O Presente de Natal”

Bom dia, pessoal!

Sei que ainda estamos em julho e o ideal seria publicar este conto perto do Natal, mas estou respeitando uma ordem pessoal.  Quero que este seja publicado próximo dos outros produzidos mais ou menos na mesma época.  Em dezembro posso repetir a publicação ou escrever outro.

Boa quinta-feira a todos! Aproveitem a leitura!

Abraço,

Camila

O presente de Natal

As férias de verão estavam próximas. Anita e Juliana eram duas amigas daquelas que não se desgrudavam nunca. Cada uma levava consigo sua bonequinha em formato de bebê. Era o dia de brinquedo na escola, e elas esperavam os pais ainda brincando de “mamãe e filhinha”:

– Anita, você já pensou no que vai pedir para o Papai Noel este ano? – perguntou a simpática menininha de seis anos.

– Eu sei – respondeu a amiga. – Vi minha prima Beatriz usando uma pintura para boca que se chama batom. Eu quero um desses para ficar tão bonita quanto ela.

– Minha mãe usa! É mesmo muito bonito! Vou pedir um também!

Pouco mais de um mês depois chegou a tão esperada ocasião. As amigas passaram a véspera de uma linda noite iluminada por estrelas e sonorizada pelo canto das cigarras em pontos diferentes da cidade.

Juliana esperava ansiosa pelo momento da abertura dos presentes. Ao contrário das outras crianças, quando viu o enorme embrulho endereçado a ela ficou decepcionada. Ainda assim teve a esperança de ter uma pequena caixinha dentro, mas era mesmo o que todos pensavam: uma enorme casinha para bonecas em miniatura.

Observou o que recebera, ficou até animada no começo, mas quando um priminho foi abrir os presentes, deixou o brinquedo de lado e foi para o quarto chorar.

No mesmo instante, praticamente, Anita esperava ansiosa por seu nome quando fossem ser abertos os presentes do Papai Noel. Até o último segundo imaginou sua mãe entregando-lhe uma pequena caixinha quadrada ou quem sabe retangular, trazendo também aquelas outras coisinhas que a prima Beatriz havia passado no rosto minutos antes da festa?

Quando sua mãe a olhou com feição de alegria, pegou um grande embrulho e disse seu nome, ela sorriu. Não era o que havia pedido, pelo que parecia, mas ficou encantada quando viu a casinha de bonecas maravilhosa que o Papai Noel havia enviado. Em vez de pintar o rosto, foi aproveitar seu novo presente na companhia dos primos pequenos, que mostravam uns aos outros seus presentes, empolgados.

No ano seguinte, já com sete anos, as amigas lanchavam juntas no shopping no meio das férias e, ansiosas, contavam uma à outra o que iriam escrever de pedido na cartinha ao Papai Noel, no final do mês:

– Eu estou na dúvida entre um carro para minha boneca ou o batom que não ganhamos ano passado… Minha irmã fez quinze anos a agora também usa… quero ser como ela! – contou Juliana.

– Pois eu não desisti do batom! Adoro minha casinha, brinco com ela quase todo dia. Mas não esqueci do meu desejo principal… – comentou Anita.

– A casinha até é legal, mas não é o que eu queria… Porém, foi o que veio, então, acho melhor me resignar e pedir logo o carro ou a piscina… – continuou Julina, desanimada.

– Você é quem sabe, Juju. Eu continuo firme em meu desejo: quero o batom, e por que não todo um estojo de maquiagem?!

Animada pela empolgação da amiga, Juliana renovou as esperanças e concluiu:

– Você está certa, Anita! Se eu desistir, não irei conseguir! Também pedirei o batom!

Duas semanas depois, véspera de Natal. Família reunida, mesa farta, crianças correndo, adultos falando alto, conversando, música agradável ao fundo. Após a oração ao aniversariante do dia na casa da família de Juliana, sobremesa repetida, batem as doze badaladas e é chegado o momento dos presentes serem abertos.

Novamente a expectativa. Juliana sorria, esperançosa. Um embrulho menor que o ano anterior, porém maior do que queria, é entregue em suas mãos.

Na casa de Anita a mesma cena. Ela fica levemente decepcionada ao caminhar até o pai e pegar a caixa enfeitada. Mas são segundos. Assim que o recebe em mãos, achando lindo aquele laço com papel metalizado, ela abre com todo cuidado e vê um carro para sua boneca.

Juliana, ao abrir a psicina que antes havia imaginado, sorri para não desapontar aos outros e sai para chorar enquanto todos estão distraídos entregando os presentes ao restante da família.

Ao longo do ano Juliana e Anita brincam juntas e cada uma tem sua casa, mas fazem delas, juntas, uma mansão, com carro e piscina conjugados. Apesar de sempre repararem nos cílios delineados de prima Beatriz ou no blush da irmã debutante, vivem o que precisam viver naquele momento. Juliana às vezes reclama, mas Anita a diverte e ameniza seu sofrimento.

Alguns anos mais tarde, quando ainda gostavam do rosa e de bonequinhas, mas também de roupas e de fofoquinhas, outra vez pediram o batom na carta ao Papai Noel.

Cada uma com sua família, finalmente recebem um embrulho pequeno. Os olhos das duas brilham ao receberem dos pais o presente tão esperado. Ao abrirem, porém, ainda não era o cosmético que deixava os lábios realçados.

Era um conjuntos de esmaltes para as unhas. Não era bem o que queriam.

Juliana, cansada de tanto esperar e nunca ter, pela primeira vez não foi ao banheiro ou ao quarto chorar. Analisou o presente, indiferente. Era um primeiro passo para sua futura maquiagem. Ela, entretanto, só via o que não era: o batom há tanto tempo desejado. Olhava a irmã, as primas mais velhas e até a mãe, as tias, todas maquiadas, e suspirava. Não se tratava de inveja. Juliana era uma boa menina, não queria que as outras perdessem o que já tinham. Mas queria poder já ser como elas.

Anita, entretanto, já acostumada a só saber o que a esperava após ter delicadamente descolado o durex e desenrolado o papel, sem nunca perder a esperança, sempre aproveitava o que vinha. Em pouco tempo fazia as mãos de todas na família.

Outros anos se passaram. Cada uma foi parar em um colégio, mudança de cidade e com o casamento e os filhos ficou mais difícil manter a amizade da infância.

Certo dia, entre deixar o mais velho na escola, pagar as contas e levar a caçulinha ao balé, Anita esbarrou com uma moça sofrida no meio do parque. Ao pedir desculpas reconheceu o olhar, embora o rosto estivesse maltratado:

– Juliana?

– Anita! Quanto tempo, que bom ver você!

Abraço sincero.

– O que faz por aqui? – perguntou a amiga “manicure”.

– Estou dando um tempo para a cabeça. Você vai ser a primeira a saber… Acabei de ser demitida. Meu chefe disse que não produzo nada… Estou perdida, não sei o quê fazer…

– Oh, meu Deus! Sente-se aqui. – e indicou um banco.

– Não tenho vontade de voltar para casa. Meu marido não conversa, só vê televisão. Meu filho não sai do computador. Eu simplesmente sinto como se não existisse. Sempre tive boas intenções, sempre desejei coisas boas. Casei com um homem bom, mas ele não é o que eu pensava. Meu filho é independente, indiferente. As coisas nunca foram como eu queria…

– Juliana, eu sei que se sente mal neste momento, mas não reclame assim de sua vida. Tenho certeza de que há algo de que goste! Lembra de quando brincávamos juntas e você dizia que o dia mais feliz da sua vida seria quando se casasse, tivesse sua própria família? Onde foi parar aquele menina? – devia estar mesmo longe, pensou Anita, ao olhar para a moça com roupa elegante mas sem vida, apática, toda desleixada.

– Aquilo era sonho de criança. A vida real é outra coisa. Você sempre viveu com a cabeça nas nuves, Anita, por isso era feliz.

Despediu-se rapidamente e seguiu sozinha, sem querer a ajuda que a amiga oferecia. Anita anuiu, resignada. Só podemos ajudar quem quer ser ajudado, não era o que todo mundo dizia?

Lembrou-se do dia na escola em que, juntas, descobriram através de um amigo que, infeliz por ter ouvido acidentalmente os pais conversando, fez questão de espalhar a todos que Papai Noel não existia. Doeu tanto a decepção… Por que os adultos inventam alguém que não existe e mentem? Juliana viveu por semanas na aflição. Aquilo fora a gota d’água. Ficou abatida, reclamona, deprimida. Anita quis ajudar, mas respeitou a amiga e logo seguiu em frente.

À noite, na hora do jantar, parece que Anita não conseguia estar totalmente ali. Não se esquecia do rosto abatido de Juju. O marido já havia dado o beijo de boa noite e apagado a luz. De repente, viu-se num lindo campo florido.

Curiosa, procurando mais alguém, olhava para ao redor, até que sentiu um toque em seu ombro, do outro lado.

– Como vai, querida Anita?

– Salatiel? Eu pensei que você fosse meu amigo imaginário, coisa da minha cabeça! Faz muitos anos que não sou mais criança! O que está fazendo aqui?

Sorrindo brandamente o anjo respondeu:

– Amizades verdadeiras não mudam com as circunstâncias ou com o tempo. A visão de sua amiga, criada como você, com as mesmas oportunidades, mas em estado tão triste, mexeu com seu coração. Eu vim ajudá-la.

– Como?

– Respondendo seu questionamento…

– Eu estou confusa…

– Você a sua amiga queriam algo que não podiam ter. Naquele caso, não estavam enganadas. Mas ainda não era o momento. Para poder aproveitar o que tanto queriam, seria necessário viverem outras experiências. Você sabia disso com seus sentimentos, e mesmo sem deixar de acreditar, viveu alegremente o que a vida oferecia. Já sua amiga não soube aproveitar. Mesmo de uma forma branda, pensando estar sendo confiante ou resignada, pelo simples fato de desanimar estava sendo revoltada. Agora chegou o momento, Anita, de você lembrá-la que o Natal é todo dia.

– Natal? Continuo confusa… Se você existe, quer dizer que Papai Noel existe?

– Querida, não confunda as coisas… Não é porque você via certas coisas somente na infância que é tudo advindo da mesma fonte… Eu sou real. Papai Noel foi uma invenção do homem. A figura do bom velhinhno é o último grito por ajuda do homem já adulto que, não conseguindo mais sonhar por si mesmo, simboliza num ser humanamente compreensível a magia da fé, da alegria, da harmonia, da bondade e guarda esta esperança numa fonte confiável – na pureza da criança. Faz isso para não se deixar perder num mundo de sombras que ele mesmo cria, por comodismo, por falta de esforço próprio, de perseverança, de fé numa realidade mais branda. E, desalentado, chama as dificuldades da vida, resultados de um comportamento pessimista vicioso, de realidade…  Não pode comandar a coletividade, que é o conjunto de vários seres desanimados, e diz-se vítima das adversidades. Ainda não compreendeu que o segredo não é mudar o mundo num só dia, mas a si mesmo a cada instante. E que todos os seres, paulatinamente melhorando a si mesmos, com o passar do tempo, fatalmente melhorarão não somente o lar onde vivem, o local de trabalham ou a vizinhança, mas sim a humanidade…

Acordou com uma sensação leve pela manhã… lembrava-se de um sonho bom, mas não sabia exatamente o que era…

Encontrou-se novamente com a amiga. Ela estava de partida com a família. Iriam os três tentar recomeçar voltando à cidade dos pais do marido de Juliana. Despediram-se e Anita deu-lhe um presente. Pediu que abrisse somente mais tarde, e que não se esquecesse dos tempos idos de esperança e fantasia.

Ela, que nunca deixou seu sonho morrer, mas soubre aproveitar o que havia em cada embrulho, brincou com a casinha, com o carro, com a loja e com o livro, pintou as unhas, estudou, fez faculdade e nem se deu conta de quando entrava automaticamente numa loja de cosméticos, cobrindo seu rosto de maquiagem. Naturalmente, como um presente finalmente entregue, vivia o que sempre havia esperado.

Juliana, porém, não invejosa, mas ingrata, estava com a mente onde nunca se encontrava, e quando chegou o momento nem mais sabia o quê viver. Por tanto querer a juventude em vez de brincar, imaginando o sentimento que a irmã sentia – pois é muito mais fácil imaginar do que viver – e renegar o que recebia, quando chegou a hora, não estava com ânimo para se maquiar.

Mas a vida parece dura somente para aquele que não entende seu mecanismo, e mesmo quem erra tem sempre chance de recomeçar. Coletivo pelo asfalto deslizando, com o marido sentado ao lado, ouvindo o jogo no rádio portátil e o filho do outro lado do corredor, passando o tempo com um jogo virtual, Juliana olhou a paisagem e apesar de tanto tempo distante, passou a admirar.

Lembrou-se do presente de Anita e qual não foi a surpresa quando dentro daquele embrulho pequenino, viu não apenas um bastão preto de creme cobreado para enfeite dos lábios, mas um bilhete que dizia: “Para você nunca deixar de acreditar”.

Ela nem sabia mais há quanto tempo não se embelezava e ali mesmo, sem tempo para alcançar o banheiro, passou o batom, olhou-se no pequenino espelho e começou a chorar.

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Fonte da imagem: http://ultradownloads.uol.com.br/download/Arvore-de-Natal-com-Presentes/48633,,,1152×864.html

1 thoughts on “Conto – “O Presente de Natal”

  1. Camila, que lindo! Adorei o conto, tudo de bom. Embora eu tenha sentido um moralismo forte, e isso geralmente me incomoda, adorei. Valeu a leitura, foi bom. beijo! =)

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